TESTEMUNHO

Serviço Civil Universal

Um mulungo na Mafalala

Testemunho de Setembro 2023 – Alessandro é um voluntário de Serviço Civil em Moçambique que, durante os 10 meses do projeto, trabalhou ao lado à Associação Machaka e suas crianças e adolescentes

“Quinze minutos a pé. Dez minutos de espera. Trinta minutos de autocarro “Xipamanine-Malhazine”. Chego em uma rua longa e estreita. Carrinhos frágeis carregados com carruagens puxadas à mão sacodem na calçada irregular, mulheres vendendo “Badjias” e “Rosquinhas” (ciambelle) fritas ao lado da estrada, meninos encostados em um muro baixo conversando à sombra de um telhado de chapa, os carros diminuem a velocidade diante de uma lombada colocada logo antes da saída de um campo de futebol.

“Mulungu mulungu!” uma palavra que continuo ouvindo ao fundo nas primeiras semanas que vou trabalhar, nem sempre parece ser dirigido diretamente a mim, é quase uma exclamação. O homem branco chegou à Mafalala, um dos bairros pobres da cidade de Maputo onde não há nenhum edifício ou edifícios novos, tudo é construído de forma a “ficar de pé”, apenas o suficiente para o fazer que aquela coisa, seja uma barraca, um fogão para cozinhar, funciona. Não há luzes na rua, não há asfalto, não há caixas de correio, não há estacionamentos, não há árvores, não há passagem de pedestres, não tem banca de jornal. Nesta rua estreita, porém, há um alfaiate que das 8h e meia da manhã, todos os dias exceto domingo, ele está sentado em uma mesa com uma máquina de costura preta, ao seu lado ela tem uma pilha de roupas da altura de sua cadeira. A uma curta distância, à esquerda, existe um pequeno pátio e uma escrita numa das paredes que vem: Machaka.

Machaka na língua tradicional falada em Moçambique, a changana, significa “família”. Depois alguns dias depois da minha chegada descobri que “mulungu” também é uma palavra em changana e que significa literalmente “pessoa branca”. Foi, portanto, uma verdadeira exclamação, talvez uma saudação, ou um jogo real que me lembrasse, com um pouco de nostalgia, os anos do querido e velhinho “Yellow Twingo!”, uma brincadeira que sempre jogávamos quando crianças, para passar o tempo nas excursões no autocarro. Baseava-se apenas na regra: se vires um Twingo amarelo tens de dizer “Yellow Twingo!”, o primeiro a dizer que ganha um ponto. Vence quem fizer mais pontos ao final do dia.”

O que é Machaka? Foi a primeira pergunta que fiz ao João quando o conheci. Machaka é uma associação cultural cujo objetivo é a promoção da cultura no distrito de Mafalala, contou-me a sua história, como nasceu a associação, o que fazem, os seus objectivos, os seus sucessos e suas dificuldades. Fiz muitas perguntas e recebi muitas respostas. Depois dos sete meses passados ​​aqui, no entanto, percebo que todas foram respostas parciais, não porque houvesse algo isso estava errado com o que me disseram, mas porque as palavras, pelo menos as minhas, tiram um pouco a importância de certas coisas.

Como posso contar o que vivi e vivo aqui sem deixar nada de fora? Eu penso que em parte é inevitável, porque esta experiência, para mim, terá sido maior do que as partes individuais de quem o compôs. Quando olho para o João, o Horácio e o Omar, vejo rapazes, jovens, alegres, com a vontade de ser voluntário, de brincar e dançar sem parar. Às vezes eu até os vejo nos seus “dias maus”, com sono nos olhos, cansaço do calor africano, com vontade de “descanso” e ficar sozinho com seus pensamentos. Jovens como eu ou como muitos outros que conheci Na Itália. Se, por outro lado, fecho os olhos e tento pensar nisso, vejo outra coisa, há muito mais em jogo: Machaka nasceu numa pracinha, do desvio de uma rua estreita e comprida, que continua por centenas de metros. Um pouco mais adiante tem uma farmácia, tem dois quiosques que preparam sanduíches, um que vende pneus, duas bancas de fruta e verdura, tem um campo de futebol. Deste ponto adiante as mudanças de rota, Machaka estará a aproximadamente 500 metros de distância.

“Mulungo, peço-te 20 meticais.” “Mulungo, você está bem?” “Mulungo, queres comprar alguma coisa?”. As caras de algumas pessoas são ocas, os olhos são opacos, os corpos dos meninos jazem no chão com as costas encostados a uma chapa metálica que serve de vedação à casa de alguém, dormem e as pessoas passam por eles ambiente. Uma pessoa com metade da minha idade me ajuda a pegar uma garrafa de vidro que queremos usar para criar uma obra de arte junto com as crianças do bairro. Ele tem um corpo magro e olhos de quem já não dorme há bastante tempo, pergunta-me porquê andava a recolher as garrafas e porque eu estava fazendo aquilo exatamente naquela rua. Explico a ele que sou voluntário, que estamos fazendo uma tartaruga feita de garrafas de vidro e eu o convido a vir nos conhecer em Machaka.

Ele responde que viria e, abandonando meu olhar, vai embora. O uso de drogas, qualquer tipo de droga é o flagelo deste bairro. Entra nas casas e captura crianças, irmãs, amigos privando-os de tudo o que têm. Isso os esvazia. Isto é o que eu vi nesta rua estreita longa: “Rua da Goa”, também chamada de “Boca de Fumo”. Isso é o que eu li em “Trainspotting” ou ouvi nas histórias de meus pais sobre a praga da heroína na Itália na década de 1980, pessoas vazias. “Aqui tem muito mais em jogo”, repito em minha cabeça. Não é “só” música, não é “só” dança, não é “só” teatro, não estamos “apenas” ensinando inglês ou matemática, não é “apenas” depois da escola para estudar mais e aumentar a nota de um trabalho de classe.

O futuro da Mafalala depende das crianças e as crianças dependem do futuro deste bairro. Mas não pode haver futuro sem a possibilidade de escolha. E quando é que posso escolher? Quando na frente as múltiplas possibilidades todas igualmente acessíveis manifestam minha individualidade e com um gesto livre decido qual vida, dentre as possíveis, quero viver. Machaka faz exatamente isso, liberta as crianças em que sejam capazes de escolher, de serem apaixonadas, de aprender, de errar, de se construir uma alternativa: a deles.”

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[ A.G.A.P.E. MOçAMBIQUE ]